O Herói
Esperava que o verbo o assaltasse
Mas se encontrava distraído sempre
A ponto de cruzar precipícios sem cuidado
Foi então que a queda o deixou mudo
E ao chocar-se com o tapete de veludo
Percebera que o verso o esnobava
Travestido então de falsa poesia
Decidiu emendar versos alheios
E os mandou todos à gazeta noutro dia
Aplaudido de pé na academia
Fez questão de fundar a própria escola
Seguiram-no alguns poucos trovadores
Em seu discurso traçou mil teorias
Mas depois de esvaziar as fantasias
Mudou a face para o tom vermelho
E salpicou de merda todo o júri
Palavreava qual sirene louca
E ninguém entendeu o que dizia:
“Eu sou um louco que batera co’a cabeça
Nenhuma linha do que escrevo há que mereça
Ser considerada como obra de poesia”
E o júri, pensando no teatro que se armava,
Inteligentemente arrependido,
Mesmo cagado até o pescoço o aplaudia.
Encruzilhada
Agora mesmo eu me encontro
em algum lugar deste mundo
na forma de um poço d’água
nem raso ou mesmo profundo
Agora mesmo eu me encontro
em mim mesmo em mim no fundo
com o que há no fundo do poço
além da água : lodo imundo
E me entrecruzo de sobreaviso
enquanto meu rosto diviso
voltando a superfície intacto
para vê-lo na face perdida
Inicio então nova partida
em direção oposta a da saída
eu me encontro agora eu mesmo
reencarnado encruzilhada
Percorrendo-me absurdo
e sem mapa me perdendo
eu me encontro de novo no mundo
numa esquina num poço d’água
No que escorre de meus olhos
Decifro-me caos e mágoa
Reflexo de homem chorando
num poço de encruzilhada
E volto a mim me encontrando
Enigma mal formulado
Reflexo de homem chorando
perdido na beira da estrada.
Curiosamente
De repente te percebes em meio à chuva
Com lágrimas nos olhos
Confuso
A observar nos outros os sorrisos que agora
Recusam veementes visitar-te
Te percebes assim
de repente
E estupefato
ao mesmo tempo atordoado
Fazes um poema
E isto não te basta
Isto curiosamente não te basta
mas não te desesperas
Curiosamente não te desesperas
e começas a pensar
na absurda hipótese de teres desvanecido
evaporado
morrido
de repente
bem no fundo
Mas curiosamente ainda caminhas
Poética
Poesia
sobre
vida
sobre
poesia :
sobrevida
Vida
sobre
poesia
sobre
poesia:
sobrevida
Vida
sobre
vida
até que sobre
poesia
sobre
vida
sobre
poesia
Poesia
até que sobreviva
sobre
vida
poesia
viva
Vida
até que sobre
viva
poesia
sobre
vida
até que sobre
poesia
vida
sobre
viva
vida
poesia
Melancólico
I
Queria sentar e escrever um poema
Enquanto me alieno lentamente de tudo
O mundo já não cabe em meus conceitos
E, há muito, eu já não caibo em mim mesmo
Tenho um amor e uma pergunta a cada fato
E a ilusão de não ser apenas mais um nesse barco
Talvez meus versos valham menos que meus sonhos
Talvez meus livros morram mudos nas gavetas
Sou apenas um pretenso poeta incompleto incompreendido
Esse amontoado de genes que entra facilmente em depressão
II
Quando eu andava só pelas ruas escuras
Não conhecia o medo
Pois estava só
Não me afligiu nunca
A falta de um amigo
E a falta de um amor
Os olhos já se acostumaram
Eu bem poderia chorar
Soubesse um porquê ao menos
Eu bem poderia sumir
Não houvesse tantos desejos
Há um grito preso na garganta
Desabafá-lo não faz mais sentido
Esgotadas as possibilidades de tentar o suicídio
A única alternativa
É sentar, escrever um poema
E dar uma boa gargalhada
Poética
Bocas palavreiam palavras e palavrões
Lábios línguas e dentes articulam
Palavreados e palavradas sem razão de ser
Isolado o poeta contempla extático o silêncio
O baile das letras sobre o papel
E enquanto tagarelam perdidas as bocas
O poeta apenas assovia
Política Literária
(a Carlos Drummond de Andrade)
Enquanto discutem sem chegar a uma conclusão,
os poetas, filósofo e místico, observam
O poeta puro e simples
tirar poesia do nariz.
E o leigo, diante de tantas idéias,
Não entende uma palavra do que cada um lhe diz
Mas, mesmo assim, aplaude sem parar.
Consumo Imediato
Este poeta nasceu na era de consumo imediato
E este poema não poderia discutir este fato
Por isso, este é um poema de consumo imediato
Consuma-o então, amigo leitor, antes que ele saia de moda
E se você acha que o poema não tem nada a ver
Eu não ligo faço outro que lhe agrade, que venda meus livros
Afinal de contas, tudo está à venda, até o sonho dos poetas
Tudo depende da moda e da necessidade do mercado
E, se você não concorda ...
Isto é apenas um poema de consumo imediato
Costal
Implodiram meus castelos
mar e vento
de repente
Desconstruíram-se no estalo
ao fim de tarde
os elementos
Vejo caírem
da janela
noite, fogo, estrela e alma
A noite caindo
a estrela apagando
o cigarro na boca
um sorriso no chão
A mesma lua
o mesmo sol
o mesmo movimento
descendente
As coisas se movem
e me arrastam consigo
Por vezes me repelem
mas ainda as sigo
Intercepto-me deserto :
sedimentos, sal e sede
Um grito rolando calado
salgado por sobre a face
As coisas se movem
desarmônicas, abstratas
por vezes me levam consigo
palpáveis, ainda inexatas
Sorvo o grito
e o espírito não se farta
destruo agora eu mesmo
meus castelos sem bandeiras
Prostro-me de joelhos
sobre os escombros de meus sonhos
É tudo onda e pó
mar e chão
sonhos e sedimentos
o estalo ao fim da tarde
demoliu os elementos
as coisas se moviam sobre as águas
com o vento e a maré
com a lua e com o fogo
Desconstruindo-se levianamente
Lembrete
Os homens esquecem o guarda-chuva
Os homens esquecem os documentos
Os homens esquecem os sentimentos
Os homens esquecem o esquecimento
Os homens esquecem a vida
Os homens esquecem o viver
Os homens esquecem que vivem
Os homens esquecem ...
Os homens esquecem os amores
Os homens esquecem o amor
Os homens esquecem o amar
Os homens esquecem que amam
Os homens esquecem os nomes
Os homens esquecem os homens
Os homens se esquecem homens
Os homens esquecem que homens
esquecem
Os homens esquecem
Simplesmente esquecem
Os homens esquecem tudo
Por razões há muito esquecidas.
Metempsycose
I
Vejo o mundo e o ponho em minha cela
Vim a este mundo com um propósito, esquecido
Do ser que outrora fui. Mas este outro eu veio comigo
E diz-me, invisível, o que fazer ao meu ouvido,
Enquanto vago obtuso no mundo ao redor do umbigo.
Quem sou se fui um outro que não sei? Estou perdido
Em meio às palavras do mundo vasto e conhecido ¾
Que verbo deu sentido ao que atesto realidade? ¾
E a busca de um sentido faz do mundo fatalidade.
O que percebo faz sentido e dou a tudo
Os grilhões que me atrelam a esse mundo
Ao invés de dar, às cousas, liberdade.
Na minha eterna busca por verdade
Há, com certeza, um propósito mais fundo
Onde até o ser que fui queda-se mudo
II
Há muitos caminhos na estrada e os percebo
E, como se fôra um viajante em caminhada,
Que há muito tempo trilha o seu caminho,
Eu questiono a existência anterior à estrada
Memória e consciência deixam-me sozinho
Quem sou? Pra onde vou? É esse o meu destino?
Nasci num mundo pronto. Sou homem. Fui menino.
Tenho nome, sinto fome. Penso, logo desisto.
Lanço meu olhar sobre tudo o que já foi visto
E me sinto forçado a andar pela vida.
Que longa estrada é essa a qual encaro
Sem origem ou destino, sem saída ou entrada?
“Não à razão na caminhada”, eu me preparo
Para trilhar na direção desconhecida
Onde memória e consciência valem nada.
Há os que se esgueiram
(a Caetano Veloso)
Há os que se esgueiram
que nos compram com olhares doces
e nos seduzem com palavras exatas
São como assassinos à noite na espreita
nos convidam a partilhar
mas escondem seu próprio tesouro
nos convidam a ceder
e desdenham do que temos
Há os que esgueiram
como assassinos à noite na espreita
pulando dos becos escuros
dos locais inseguros
das dúvidas
das promessas
sobre nossas cabeças desavisadas
eles seguram um punhal
nos fazem pedir por clemência
e nos dizem que o bem é cruel
Há os que se esgueiram
e sem fazer força nos roubam a alma
são demônios de fala macia
esperando ansiosos por sangue
como assassinos à noite na espreita
enxergam no fundo dos olhos
tudo de que precisamos
Há os que se esgueiram
e há os que andam tranqüilos à noite nas ruas
Crônica Suburbana
Há um estranho no meu jardim:
Um cadáver.
E em volta dele uma multidão
Tão curiosa quanto inconveniente.
“¾ Deve ser um marginal”
Diz uma mulher lhe apontando
“Quem sabe foi assaltado?!”
Defende minha vizinha
Mas o indigente permanece lá
Indiferente ao comentário de todos.
Não se preocupe, amigo defunto,
Dentro de algumas horas (eu acho)
A polícia virá lhe buscar.
Dar-lhe-ão um nome, um número e uma cova
E, se acharem sua família (quem sabe?),
Um enterro cristão decente.
De certa forma eu o invejo, amigo desconhecido,
Você não precisa mais das futilidades dessa vida
É apenas você mesmo entre as flores de meu jardim
Sua história já não mais o preocupa.
Nós sim, coitados, ainda estamos presos
Aos preconceitos, às futilidades, às religiões
E às nossas limitações. Presos em nós mesmos.
Não importa como você morreu, onde você morreu
Quem lhe matou, quem você era.
Você já era.
Você tem, sabendo ou não,
A liberdade absoluta de não ser (ou ser)
E nós, na nossa mórbida inveja,
Ainda tentamos fazê-lo trocar a vida das flores
Pela soturna e triste escuridão da terra.
Mas eu sei, amigo, que pouco importa
Você está morto. Você não se importa.
E vejo sorrindo nos seus olhos imóveis que
Ainda temos de zelar pela nossa história.
Aula de Cálculo
Enquanto tentam explicar com a dialética
De matemáticos
Os físicos contemplam com olhar extático
A lógica e a ciência de um gramático
que com viola e rima se torna filósofo
E parece desvendar com seu olhar hipnótico
Um universo mágico
que cala o cético e o cínico
E traz à tona toda mística estética
dos vocábulos
Proparoxítonos
Descoberta do beijo
I
O olhar nos olhos antes do ósculo
E a troca de confissões antes do mesmo
Ocultam ou revelam intenções
Que auscultando o peito não percebo
E enquanto inutilmente persigo razão no fato
O amor me faz de gato e sapato
E a verdadeira intenção do beijo permanece sibilina
II
Há tanto amor sem beijos
E tantos beijos sem amor
Que eu não sei onde está o amor
No beijo de meu amor
Eu acho menina que só sendo louco
Pra filosofar com tanto desejo
Bonitinho, Bonitinho!
Eu lhe vi, menina triste,
A esperar o príncipe encantado
Sentada na escada pro céu
E a mim, pobre bobo da corte,
Sua tristeza doeu tão no fundo
Que minha alegria também morreu
Comecei a desejar então, menina triste,
Que o seu príncipe, que não existe,
Fosse não encantado, mas eu
Eu, pobre bobo sem sorte,
Bobo da corte, bobo apaixonado
Desejava ser príncipe encantado
Só pra não lhe ver, menina triste,
Derrubar uma lágrima mais
Eu lhe amo demais, menina triste,
Mas sou apenas um bobo da corte.
Oração da Fuga
“Esperamos que a chuva não caia
E venha molhar nossos pés
molhar nossos rostos cansados
Já banhados de suor
E facilite a nossa fuga.
“Ainda bem que o Deus das raças
Por todos demonstra o amor
Ajude-nos Deus das Raças
Faça cessar nossa dor
Abençoa todo o meu povo
Toda essa gente de cor
“Dê-nos força
Dê-nos coragem
O sentimento voragem
Pela tal felicidade.
Dê-nos luz
Dê-nos fé
Dê-nos logo a liberdade.”
Meus olhos ardem o sol se pôs cinzento
Você me invade e eu me entrego a meu cansaço
Mais de uma vez eu fui traído e embora forte
Não abro mão de recorrer ao seu regaço
Já pensei um mundo bom e tive fé
Já quis minha vida repartida entre os amigos
Mas eu criei um coração feito de aço
E tenho lágrimas que se esquecem de rolar
Não quero nada a não ser o seu abraço
Transformar meu coração de aço em brisa
E não tentar mudar meu mundo por enquanto
Não quero mais que descansar no seu regaço
Até que o sol traga a manhã cinza ou vermelha
E eu de novo passe então da brisa ao aço
I
Aprendi a querer muito mas esqueci que sou um só
Pra espantar a solidão vou comprando meus amigos
Eu preferia ter coragem pra mostrar tudo que sinto
Ao invés de ter no rosto um automático sorriso
A manhã nasce vermelha e estou cercado de pecados
lhe procuro e me confesso mas estou sempre mentindo
Eu me escondo sei que o mundo é maior que o meu umbigo
Ainda tenho a infantil pretensão de ser mais santo
Ao mesmo tempo em que procuro a malícia que me falta
Negando sempre em vão chorando a maldade em que me afogo
II
Posso ver muitos dos meus erros
Sei o que sou mas não me conheço
Desconheço quem sou e meus limites
Penso no boi e me reconheço
forte e mesmo assim sempre cercado
Eu pareço o boi aprisionado
Forma forte inútil resignada
que não é nada senão touro castrado
Eu posso ver muitos dos meus erros
tornei-me esboço de um poder que já não tenho
Sei o que sou mas quem sou eu desconheço
E na figura do boi me reconheço
Forma forte passiva e enclausurada
Eu não sei quem sou e lhe confesso
Sei apenas o que sou e não sei nada.
Param e me perguntam
“Como vai essa força?”
E eu respondo automático o que querem ouvir
mesmo sentindo que essa “força” não vai
mesmo sabendo que essa “força” não vem
mais me socorrer
ou erguer o peso sobre meus ombros
Param-me e perguntam
“Como vai essa força?”
E, por fora, sorrio quando,
por dentro, indago:
“Há real necessidade em sermos fortes?”
Essa força minha não vai me ajudar
a vencer
a correnteza
e eu devo aprender a boiar sobre os fatos
como um corpo morto, resignado
que entra no ritmo das ondas que o arrastam
sem opção
“Como vai essa força?”
Paro e pergunto a mim mesmo
Surpreso, não me respondo,
temendo talvez constatar que ela não vai mesmo
E eu vou
a esmo
flutuando num calmo desespero em direção alguma
ou desconhecida
a que me levarem
Não é lágrima que escorre de meus olhos
apenas chove
Do Espírito
Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.
Caminha o homem, sem saber o seu destino,
Em direção à glória ou à perversidade?
Somos homens conscientes, com memória,
Ou somos tolos que, agindo qual meninos,
Reinventam todo tempo a mesma história?
Avança a ciência. Avança o homem?
Em verdade, se acentuam diferenças.
Se existe um outro mundo após a morte,
Assim como o afirmam muitas crenças,
Morrer é, para o homem, pura sorte.
Sofrer e estar no mundo já se rimam.
Bom senso e humanidade são loucura.
O que é ciência hoje é criação tardia
Daquilo que o passado achou loucura.
A morte é, com certeza, uma alforria.
A alma, esta que sofre co'as desgraças,
Quando se percebe parte de um aboio,
Revoltada com os céus prefere o nada.
A razão é rota mal-iluminada
E os sentidos não mais servem como apoio.
E, sem anjos, orixás ou bruxarias,
pajelanças, orações ou patuás
Restam somente vozes de mil teorias
Que não dão conta do que é estar no mundo
E classificam : coisas "boas", coisas "más".
Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.
Oração
Ó musa, rogo a ti que me entregue
O segredo do que há belo na palavra.
Desperta, musa, o que no peito lavra
O coração do vate que, sozinho,
Não procura seu destino qual caminho.
O que faz este guerreiro da palavra
Que trava sua luta com o destino,
Empinando as bandeiras como pipas,
Tal qual nas brincadeiras de menino?
Ó musa, rogo a ti que me ilumine
Pois o mundo possui sombras poderosas.
O que fazer de mim, ser inconstante,
Que vaga entre as linhas tortuosas
Do destino de quem vive à própria sorte?
Ó musa, peço que me adie a morte,
Pois meu mundo é meu ser e me fascina.
Transmite o belo dos dias mais risonhos
E a harmonia que há nos meus ouvidos
A toda completude dos meus sonhos
Pra que meus versos falem mais que meus sentidos.
Musa, eu quero a sabedoria.
Liberdade, peço a ti que me sorria,
Pois meu peito é peça rara e confusa.
Abençoa a minha alma e inebria
Minha existência mágica e obtusa.
Um Anjo
Como se, de repente, um anjo aparecesse
você abriu a porta
E invadiu meu mundo de sonhos
onde, misteriosamente, já residias
como um segredo.
Contei a você meus medos, receando...
... e os vi partirem no seu sorriso.
Ouvi seu estar no mundo, seu confessar
e seu medo me mostrou o que eram asas.
Só lembro de ter lhe dado o que sempre quis lhe dar
Você tornou meu dia leve e me deu vários motivos.
eu, ainda envergonhado, só me lembro do que não dei.
Porque há tanto para dar... há tanto pra dar que eu não sei.
Queria dar a você meus olhos para lhe mostrar
O que é a sensação de ver um anjo aparecer
entrando na sua casa, fazendo você crescer
Queria dar a você meus olhos para tentar ver
ver o mundo do alto
talvez
nem o mundo ver
ver um anjo
num poema
lhe abraçar
I
O amanhã do mundo me persegue.
Busco refúgio em vãs tentativas.
Sou sólido e reconheço os limites dos sonhos.
Nego, de forma recorrente, o vazio do Céu do Novo Mundo.
Há um Deus que olha por mim, escondido nas trevas dos átomos.
O amanhã do mundo nunca chega.
Madrugadas perdidas, com medo do sono e de perder
esse lindo mo(vi)mento de (mu)dança.
Hoje, os males da Caixa de Pandora ainda assolam o globo.
Homens tramam, em segredo, o seqüestro de toda esperança.
E o amanhã do mundo é só promessa.
E, eu, tendo desistido da arrogância,
Abraçado aos exemplos de místicos ascetas,
Procuro em meio às palavras o silêncio.
E, exausto, durmo tranqüilo o hoje dos poetas
Para acordar no amanhã dos homens
E fazer a minha parte no amanhã do mundo.
Um amanhã que nunca chegará pra mim
Mas está comigo em sonhos de paz e de guerra
E a toda manhã me persegue.
Canção de um Cangaço Triste
Irmão é duro andar no meu sertão
E ver as terras pra lá do horizonte
Ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu
Se terras férteis existem aos montes
Eu juro se eu pudesse eu não iria
Mas dos amigos quem ficou morreu
Já perdi primos tios irmãos família
E como eu muita gente perdeu
Terras minhas ? Estas nunca tive
Estive sempre sob os olhos de um patrão
Um coronel que dizia orgulhoso
Trazer o povo na palma da mão
Vou tentar a sorte grande em São Paulo
Um Sul só visto nas revistas e jornais
Vou tentar ser gente na cidade grande
Que essa vida de sertão não quero mais
Ver meu povo escravizado e humilhado
Isso machuca irmão por dentro dói demais
Eu vou me embora mas um dia eu volto
Pra ajudar toda essa gente sem pão
Gente boa que perdeu a sua roça
Mas a sua esperança não perdeu
Irmão é duro andar no meu sertão
E ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu
Sentimentos Modernos
Amor, vamos ficar nus (?)!
Mas não à maneira dos caetés
Não à maneira dos caiapós
Melhor seria dizer pelados
Vamos comer um ao outro
Mas não como os caraíbas
Não como comeram o Frei Sardinha
Se é que você me entende
Vamos tirar o sapato, a meia, o sobretudo, o paletó, a gravata, a camisa, o cinto, a calça e a cueca
Vamos jogar pela janela o salto alto, a meia-calça, o casaco, o vestido, a calcinha e o sutiã
E nos engalfinhar como bichos
Porque se o tesão agüentar eu sei que vou te amar a vida inteira
Serás a senhora de engenho e eu o teu negro nativo
Agirás como a exploradora e eu como índio nativo
Me beija como a Iracema da literatura
Traz curare nestes lábios de mel e candura
Amor, dize-me loucuras para as quais não há curas
Me escraviza, me enfeitiça, me explora com vileza
Age como agiram os reis da Coroa Portuguesa
Me deixa em estado de miséria absoluta
Só tu me fazes ficar neste estado
Cheirar o pó dos livros da estante
Só tu me fazes viajar no tempo
E esquecer quem, quando e onde estou
No nosso gozo molhado, haverá risos e pecados
Pois nossos gritos homéricos permanecerão herméticos
Aos que remem índios, bêbados, loucos e pelados
No nosso gozo molhado haverá lágrimas e sangue
Pois romperemos o lacre sagrado que nos separa do futuro
Romperemos com a sanidade, romperemos com toda verdade
E encontraremos, atrás das idéias e das palavras, nós mesmos e a [liberdade.
Tudo que tenho guardado
é como tralha que não se joga fora
é como poeira acumulando pelos cantos
é coisa velha que ao passar do tempo
ao invés de valiosa torna-se apenas mais velha
Esqueci-me da faxina por preguiça
me ausentei por demais de mim mesmo
Dos diamantes que possuía,
há os que o pó maculou
e ainda os que na bagunça se perderam
É hora de pôr a casa em ordem
Mesmo temendo encontrar
por debaixo de tudo
algumas quimeras
Vou procurar por meus cacos
retomar posse de minha casa
Passa o tempo
Matriz dos fatos
Minha consciência nada alcança
Sofro e sorrio
Confuso indago
Hei de encontrar-me na inconstância ?
Minha consciência
Desnuda-se em atos
Vejo repetir-se minha infância
Sorrimos ou sofremos ?
Não somos exatos
Herdamos o que temos em criança
Passa o tempo
Matriz dos fatos
Minha consciência nada alcança
Destruidor de Ídolos
Imitação barata de estátua grega
Onde se vê mármore veja-se
Gípsea substância
O vidro em lugar do brilhante
Não tem o mesmo efeito
Que o do puro diamante
Bem construído a olhos míopes
Mas frágil e feio diante da lupa
Ver o povo ajoelhar-se diante do ídolo?
E adorá-lo como obra máxima de beleza?
Ao levantar o martelo sou um bárbaro
E como bárbaro sempre hei de ser tratado
Custa-me acreditar que a vida mereça
Tais ofensas em nome do medo
A mão do homem não constrói o ídolo
A mão do medo o constrói
E a mão do homem deva destruí-lo
Embora impedido, mãos atadas e desarmadas,
Não me rendo, não me calo, blasfemo.
Hão de me pôr sobre a cruz, matar meu corpo.
A chuva vai desfazer o nosso erro.
E, quando o ídolo derreter, se um outro for erguido
Eu virei, com o vento, destruí-lo novamente.
Alguns Poemas Num Poema ao Lutador
(a Carlos Drummond de Andrade)
Cansado de esperar respostas
Dou as costas aos lamentos
Desse povo banguela e sem pensamentos
Que vive de lembranças e reclamações
E que sentado espera, sem pressa alguma
O futuro dobrar à esquina em sua direção
Como conviver com um povo que se condena
A escravidão do crime e a exploração?
O jeito é juntar meus cacos e partir
Pois não é mais tempo de homens partidos
É tempo sim de homens que partem
Com os corações e os espíritos em pedaços
Desiludido mas não desanimado
Esperava ter dinamitado mais do que a ilha de Manhattan
E embora não tenha conseguido nem ao menos
Rachar este enorme muro que separa o olhar nos olhos de toda humanidade
Insisto em erguer meu martelo e filosofar
À beira dos mais altos precipícios
Ah! Mundo velho e sem princípios
A alma dos poetas nunca curvará ante de ti
Porque nós, herdeiros da força da brisa e do vento,
Prometemos erguer contra ti nossos punhos
E destruir-te como se fôssemos tanques,
Ou bombas, ou raios, ou jatos,
Ou pássaros
Poética
(a Chacal)
“─A palavra é a espada”
Diz a voz do trigo
Àquele que lavra a terra
Desconhecida da alma
Mas o destemido lavra-
dor dos mistérios dos sonhos
Lança um olhar a plantação
E diz, apontando a imensidão:
“─ O silêncio é a espada”
E o trigo confuso calava
Deixando no ar o ritmo
Do vento e da foice daquele
Que incansável lavra a terra
Dos sentimentos interiores e
Da alma do mundo : o poeta.
Não mais a pá lavra o solo
O poema brota mudo e perfeito
No pedaço de terra menos esperado
E, diante de tão belos frutos,
Todas as vozes se calam
Tentando entender o novo verso.
Só se ouve a voz do trigo a repetir:
“─ Isso é poesia. Isso é poesia.”
Esperava que o verbo o assaltasse
Mas se encontrava distraído sempre
A ponto de cruzar precipícios sem cuidado
Foi então que a queda o deixou mudo
E ao chocar-se com o tapete de veludo
Percebera que o verso o esnobava
Travestido então de falsa poesia
Decidiu emendar versos alheios
E os mandou todos à gazeta noutro dia
Aplaudido de pé na academia
Fez questão de fundar a própria escola
Seguiram-no alguns poucos trovadores
Em seu discurso traçou mil teorias
Mas depois de esvaziar as fantasias
Mudou a face para o tom vermelho
E salpicou de merda todo o júri
Palavreava qual sirene louca
E ninguém entendeu o que dizia:
“Eu sou um louco que batera co’a cabeça
Nenhuma linha do que escrevo há que mereça
Ser considerada como obra de poesia”
E o júri, pensando no teatro que se armava,
Inteligentemente arrependido,
Mesmo cagado até o pescoço o aplaudia.
Encruzilhada
Agora mesmo eu me encontro
em algum lugar deste mundo
na forma de um poço d’água
nem raso ou mesmo profundo
Agora mesmo eu me encontro
em mim mesmo em mim no fundo
com o que há no fundo do poço
além da água : lodo imundo
E me entrecruzo de sobreaviso
enquanto meu rosto diviso
voltando a superfície intacto
para vê-lo na face perdida
Inicio então nova partida
em direção oposta a da saída
eu me encontro agora eu mesmo
reencarnado encruzilhada
Percorrendo-me absurdo
e sem mapa me perdendo
eu me encontro de novo no mundo
numa esquina num poço d’água
No que escorre de meus olhos
Decifro-me caos e mágoa
Reflexo de homem chorando
num poço de encruzilhada
E volto a mim me encontrando
Enigma mal formulado
Reflexo de homem chorando
perdido na beira da estrada.
Curiosamente
De repente te percebes em meio à chuva
Com lágrimas nos olhos
Confuso
A observar nos outros os sorrisos que agora
Recusam veementes visitar-te
Te percebes assim
de repente
E estupefato
ao mesmo tempo atordoado
Fazes um poema
E isto não te basta
Isto curiosamente não te basta
mas não te desesperas
Curiosamente não te desesperas
e começas a pensar
na absurda hipótese de teres desvanecido
evaporado
morrido
de repente
bem no fundo
Mas curiosamente ainda caminhas
Poética
Poesia
sobre
vida
sobre
poesia :
sobrevida
Vida
sobre
poesia
sobre
poesia:
sobrevida
Vida
sobre
vida
até que sobre
poesia
sobre
vida
sobre
poesia
Poesia
até que sobreviva
sobre
vida
poesia
viva
Vida
até que sobre
viva
poesia
sobre
vida
até que sobre
poesia
vida
sobre
viva
vida
poesia
Melancólico
I
Queria sentar e escrever um poema
Enquanto me alieno lentamente de tudo
O mundo já não cabe em meus conceitos
E, há muito, eu já não caibo em mim mesmo
Tenho um amor e uma pergunta a cada fato
E a ilusão de não ser apenas mais um nesse barco
Talvez meus versos valham menos que meus sonhos
Talvez meus livros morram mudos nas gavetas
Sou apenas um pretenso poeta incompleto incompreendido
Esse amontoado de genes que entra facilmente em depressão
II
Quando eu andava só pelas ruas escuras
Não conhecia o medo
Pois estava só
Não me afligiu nunca
A falta de um amigo
E a falta de um amor
Os olhos já se acostumaram
Eu bem poderia chorar
Soubesse um porquê ao menos
Eu bem poderia sumir
Não houvesse tantos desejos
Há um grito preso na garganta
Desabafá-lo não faz mais sentido
Esgotadas as possibilidades de tentar o suicídio
A única alternativa
É sentar, escrever um poema
E dar uma boa gargalhada
Poética
Bocas palavreiam palavras e palavrões
Lábios línguas e dentes articulam
Palavreados e palavradas sem razão de ser
Isolado o poeta contempla extático o silêncio
O baile das letras sobre o papel
E enquanto tagarelam perdidas as bocas
O poeta apenas assovia
Política Literária
(a Carlos Drummond de Andrade)
Enquanto discutem sem chegar a uma conclusão,
os poetas, filósofo e místico, observam
O poeta puro e simples
tirar poesia do nariz.
E o leigo, diante de tantas idéias,
Não entende uma palavra do que cada um lhe diz
Mas, mesmo assim, aplaude sem parar.
Consumo Imediato
Este poeta nasceu na era de consumo imediato
E este poema não poderia discutir este fato
Por isso, este é um poema de consumo imediato
Consuma-o então, amigo leitor, antes que ele saia de moda
E se você acha que o poema não tem nada a ver
Eu não ligo faço outro que lhe agrade, que venda meus livros
Afinal de contas, tudo está à venda, até o sonho dos poetas
Tudo depende da moda e da necessidade do mercado
E, se você não concorda ...
Isto é apenas um poema de consumo imediato
Costal
Implodiram meus castelos
mar e vento
de repente
Desconstruíram-se no estalo
ao fim de tarde
os elementos
Vejo caírem
da janela
noite, fogo, estrela e alma
A noite caindo
a estrela apagando
o cigarro na boca
um sorriso no chão
A mesma lua
o mesmo sol
o mesmo movimento
descendente
As coisas se movem
e me arrastam consigo
Por vezes me repelem
mas ainda as sigo
Intercepto-me deserto :
sedimentos, sal e sede
Um grito rolando calado
salgado por sobre a face
As coisas se movem
desarmônicas, abstratas
por vezes me levam consigo
palpáveis, ainda inexatas
Sorvo o grito
e o espírito não se farta
destruo agora eu mesmo
meus castelos sem bandeiras
Prostro-me de joelhos
sobre os escombros de meus sonhos
É tudo onda e pó
mar e chão
sonhos e sedimentos
o estalo ao fim da tarde
demoliu os elementos
as coisas se moviam sobre as águas
com o vento e a maré
com a lua e com o fogo
Desconstruindo-se levianamente
Lembrete
Os homens esquecem o guarda-chuva
Os homens esquecem os documentos
Os homens esquecem os sentimentos
Os homens esquecem o esquecimento
Os homens esquecem a vida
Os homens esquecem o viver
Os homens esquecem que vivem
Os homens esquecem ...
Os homens esquecem os amores
Os homens esquecem o amor
Os homens esquecem o amar
Os homens esquecem que amam
Os homens esquecem os nomes
Os homens esquecem os homens
Os homens se esquecem homens
Os homens esquecem que homens
esquecem
Os homens esquecem
Simplesmente esquecem
Os homens esquecem tudo
Por razões há muito esquecidas.
Metempsycose
I
Vejo o mundo e o ponho em minha cela
Vim a este mundo com um propósito, esquecido
Do ser que outrora fui. Mas este outro eu veio comigo
E diz-me, invisível, o que fazer ao meu ouvido,
Enquanto vago obtuso no mundo ao redor do umbigo.
Quem sou se fui um outro que não sei? Estou perdido
Em meio às palavras do mundo vasto e conhecido ¾
Que verbo deu sentido ao que atesto realidade? ¾
E a busca de um sentido faz do mundo fatalidade.
O que percebo faz sentido e dou a tudo
Os grilhões que me atrelam a esse mundo
Ao invés de dar, às cousas, liberdade.
Na minha eterna busca por verdade
Há, com certeza, um propósito mais fundo
Onde até o ser que fui queda-se mudo
II
Há muitos caminhos na estrada e os percebo
E, como se fôra um viajante em caminhada,
Que há muito tempo trilha o seu caminho,
Eu questiono a existência anterior à estrada
Memória e consciência deixam-me sozinho
Quem sou? Pra onde vou? É esse o meu destino?
Nasci num mundo pronto. Sou homem. Fui menino.
Tenho nome, sinto fome. Penso, logo desisto.
Lanço meu olhar sobre tudo o que já foi visto
E me sinto forçado a andar pela vida.
Que longa estrada é essa a qual encaro
Sem origem ou destino, sem saída ou entrada?
“Não à razão na caminhada”, eu me preparo
Para trilhar na direção desconhecida
Onde memória e consciência valem nada.
Há os que se esgueiram
(a Caetano Veloso)
Há os que se esgueiram
que nos compram com olhares doces
e nos seduzem com palavras exatas
São como assassinos à noite na espreita
nos convidam a partilhar
mas escondem seu próprio tesouro
nos convidam a ceder
e desdenham do que temos
Há os que esgueiram
como assassinos à noite na espreita
pulando dos becos escuros
dos locais inseguros
das dúvidas
das promessas
sobre nossas cabeças desavisadas
eles seguram um punhal
nos fazem pedir por clemência
e nos dizem que o bem é cruel
Há os que se esgueiram
e sem fazer força nos roubam a alma
são demônios de fala macia
esperando ansiosos por sangue
como assassinos à noite na espreita
enxergam no fundo dos olhos
tudo de que precisamos
Há os que se esgueiram
e há os que andam tranqüilos à noite nas ruas
Crônica Suburbana
Há um estranho no meu jardim:
Um cadáver.
E em volta dele uma multidão
Tão curiosa quanto inconveniente.
“¾ Deve ser um marginal”
Diz uma mulher lhe apontando
“Quem sabe foi assaltado?!”
Defende minha vizinha
Mas o indigente permanece lá
Indiferente ao comentário de todos.
Não se preocupe, amigo defunto,
Dentro de algumas horas (eu acho)
A polícia virá lhe buscar.
Dar-lhe-ão um nome, um número e uma cova
E, se acharem sua família (quem sabe?),
Um enterro cristão decente.
De certa forma eu o invejo, amigo desconhecido,
Você não precisa mais das futilidades dessa vida
É apenas você mesmo entre as flores de meu jardim
Sua história já não mais o preocupa.
Nós sim, coitados, ainda estamos presos
Aos preconceitos, às futilidades, às religiões
E às nossas limitações. Presos em nós mesmos.
Não importa como você morreu, onde você morreu
Quem lhe matou, quem você era.
Você já era.
Você tem, sabendo ou não,
A liberdade absoluta de não ser (ou ser)
E nós, na nossa mórbida inveja,
Ainda tentamos fazê-lo trocar a vida das flores
Pela soturna e triste escuridão da terra.
Mas eu sei, amigo, que pouco importa
Você está morto. Você não se importa.
E vejo sorrindo nos seus olhos imóveis que
Ainda temos de zelar pela nossa história.
Aula de Cálculo
Enquanto tentam explicar com a dialética
De matemáticos
Os físicos contemplam com olhar extático
A lógica e a ciência de um gramático
que com viola e rima se torna filósofo
E parece desvendar com seu olhar hipnótico
Um universo mágico
que cala o cético e o cínico
E traz à tona toda mística estética
dos vocábulos
Proparoxítonos
Descoberta do beijo
I
O olhar nos olhos antes do ósculo
E a troca de confissões antes do mesmo
Ocultam ou revelam intenções
Que auscultando o peito não percebo
E enquanto inutilmente persigo razão no fato
O amor me faz de gato e sapato
E a verdadeira intenção do beijo permanece sibilina
II
Há tanto amor sem beijos
E tantos beijos sem amor
Que eu não sei onde está o amor
No beijo de meu amor
Eu acho menina que só sendo louco
Pra filosofar com tanto desejo
Bonitinho, Bonitinho!
Eu lhe vi, menina triste,
A esperar o príncipe encantado
Sentada na escada pro céu
E a mim, pobre bobo da corte,
Sua tristeza doeu tão no fundo
Que minha alegria também morreu
Comecei a desejar então, menina triste,
Que o seu príncipe, que não existe,
Fosse não encantado, mas eu
Eu, pobre bobo sem sorte,
Bobo da corte, bobo apaixonado
Desejava ser príncipe encantado
Só pra não lhe ver, menina triste,
Derrubar uma lágrima mais
Eu lhe amo demais, menina triste,
Mas sou apenas um bobo da corte.
Oração da Fuga
“Esperamos que a chuva não caia
E venha molhar nossos pés
molhar nossos rostos cansados
Já banhados de suor
E facilite a nossa fuga.
“Ainda bem que o Deus das raças
Por todos demonstra o amor
Ajude-nos Deus das Raças
Faça cessar nossa dor
Abençoa todo o meu povo
Toda essa gente de cor
“Dê-nos força
Dê-nos coragem
O sentimento voragem
Pela tal felicidade.
Dê-nos luz
Dê-nos fé
Dê-nos logo a liberdade.”
Meus olhos ardem o sol se pôs cinzento
Você me invade e eu me entrego a meu cansaço
Mais de uma vez eu fui traído e embora forte
Não abro mão de recorrer ao seu regaço
Já pensei um mundo bom e tive fé
Já quis minha vida repartida entre os amigos
Mas eu criei um coração feito de aço
E tenho lágrimas que se esquecem de rolar
Não quero nada a não ser o seu abraço
Transformar meu coração de aço em brisa
E não tentar mudar meu mundo por enquanto
Não quero mais que descansar no seu regaço
Até que o sol traga a manhã cinza ou vermelha
E eu de novo passe então da brisa ao aço
I
Aprendi a querer muito mas esqueci que sou um só
Pra espantar a solidão vou comprando meus amigos
Eu preferia ter coragem pra mostrar tudo que sinto
Ao invés de ter no rosto um automático sorriso
A manhã nasce vermelha e estou cercado de pecados
lhe procuro e me confesso mas estou sempre mentindo
Eu me escondo sei que o mundo é maior que o meu umbigo
Ainda tenho a infantil pretensão de ser mais santo
Ao mesmo tempo em que procuro a malícia que me falta
Negando sempre em vão chorando a maldade em que me afogo
II
Posso ver muitos dos meus erros
Sei o que sou mas não me conheço
Desconheço quem sou e meus limites
Penso no boi e me reconheço
forte e mesmo assim sempre cercado
Eu pareço o boi aprisionado
Forma forte inútil resignada
que não é nada senão touro castrado
Eu posso ver muitos dos meus erros
tornei-me esboço de um poder que já não tenho
Sei o que sou mas quem sou eu desconheço
E na figura do boi me reconheço
Forma forte passiva e enclausurada
Eu não sei quem sou e lhe confesso
Sei apenas o que sou e não sei nada.
Param e me perguntam
“Como vai essa força?”
E eu respondo automático o que querem ouvir
mesmo sentindo que essa “força” não vai
mesmo sabendo que essa “força” não vem
mais me socorrer
ou erguer o peso sobre meus ombros
Param-me e perguntam
“Como vai essa força?”
E, por fora, sorrio quando,
por dentro, indago:
“Há real necessidade em sermos fortes?”
Essa força minha não vai me ajudar
a vencer
a correnteza
e eu devo aprender a boiar sobre os fatos
como um corpo morto, resignado
que entra no ritmo das ondas que o arrastam
sem opção
“Como vai essa força?”
Paro e pergunto a mim mesmo
Surpreso, não me respondo,
temendo talvez constatar que ela não vai mesmo
E eu vou
a esmo
flutuando num calmo desespero em direção alguma
ou desconhecida
a que me levarem
Não é lágrima que escorre de meus olhos
apenas chove
Do Espírito
Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.
Caminha o homem, sem saber o seu destino,
Em direção à glória ou à perversidade?
Somos homens conscientes, com memória,
Ou somos tolos que, agindo qual meninos,
Reinventam todo tempo a mesma história?
Avança a ciência. Avança o homem?
Em verdade, se acentuam diferenças.
Se existe um outro mundo após a morte,
Assim como o afirmam muitas crenças,
Morrer é, para o homem, pura sorte.
Sofrer e estar no mundo já se rimam.
Bom senso e humanidade são loucura.
O que é ciência hoje é criação tardia
Daquilo que o passado achou loucura.
A morte é, com certeza, uma alforria.
A alma, esta que sofre co'as desgraças,
Quando se percebe parte de um aboio,
Revoltada com os céus prefere o nada.
A razão é rota mal-iluminada
E os sentidos não mais servem como apoio.
E, sem anjos, orixás ou bruxarias,
pajelanças, orações ou patuás
Restam somente vozes de mil teorias
Que não dão conta do que é estar no mundo
E classificam : coisas "boas", coisas "más".
Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.
Oração
Ó musa, rogo a ti que me entregue
O segredo do que há belo na palavra.
Desperta, musa, o que no peito lavra
O coração do vate que, sozinho,
Não procura seu destino qual caminho.
O que faz este guerreiro da palavra
Que trava sua luta com o destino,
Empinando as bandeiras como pipas,
Tal qual nas brincadeiras de menino?
Ó musa, rogo a ti que me ilumine
Pois o mundo possui sombras poderosas.
O que fazer de mim, ser inconstante,
Que vaga entre as linhas tortuosas
Do destino de quem vive à própria sorte?
Ó musa, peço que me adie a morte,
Pois meu mundo é meu ser e me fascina.
Transmite o belo dos dias mais risonhos
E a harmonia que há nos meus ouvidos
A toda completude dos meus sonhos
Pra que meus versos falem mais que meus sentidos.
Musa, eu quero a sabedoria.
Liberdade, peço a ti que me sorria,
Pois meu peito é peça rara e confusa.
Abençoa a minha alma e inebria
Minha existência mágica e obtusa.
Um Anjo
Como se, de repente, um anjo aparecesse
você abriu a porta
E invadiu meu mundo de sonhos
onde, misteriosamente, já residias
como um segredo.
Contei a você meus medos, receando...
... e os vi partirem no seu sorriso.
Ouvi seu estar no mundo, seu confessar
e seu medo me mostrou o que eram asas.
Só lembro de ter lhe dado o que sempre quis lhe dar
Você tornou meu dia leve e me deu vários motivos.
eu, ainda envergonhado, só me lembro do que não dei.
Porque há tanto para dar... há tanto pra dar que eu não sei.
Queria dar a você meus olhos para lhe mostrar
O que é a sensação de ver um anjo aparecer
entrando na sua casa, fazendo você crescer
Queria dar a você meus olhos para tentar ver
ver o mundo do alto
talvez
nem o mundo ver
ver um anjo
num poema
lhe abraçar
I
O amanhã do mundo me persegue.
Busco refúgio em vãs tentativas.
Sou sólido e reconheço os limites dos sonhos.
Nego, de forma recorrente, o vazio do Céu do Novo Mundo.
Há um Deus que olha por mim, escondido nas trevas dos átomos.
O amanhã do mundo nunca chega.
Madrugadas perdidas, com medo do sono e de perder
esse lindo mo(vi)mento de (mu)dança.
Hoje, os males da Caixa de Pandora ainda assolam o globo.
Homens tramam, em segredo, o seqüestro de toda esperança.
E o amanhã do mundo é só promessa.
E, eu, tendo desistido da arrogância,
Abraçado aos exemplos de místicos ascetas,
Procuro em meio às palavras o silêncio.
E, exausto, durmo tranqüilo o hoje dos poetas
Para acordar no amanhã dos homens
E fazer a minha parte no amanhã do mundo.
Um amanhã que nunca chegará pra mim
Mas está comigo em sonhos de paz e de guerra
E a toda manhã me persegue.
Canção de um Cangaço Triste
Irmão é duro andar no meu sertão
E ver as terras pra lá do horizonte
Ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu
Se terras férteis existem aos montes
Eu juro se eu pudesse eu não iria
Mas dos amigos quem ficou morreu
Já perdi primos tios irmãos família
E como eu muita gente perdeu
Terras minhas ? Estas nunca tive
Estive sempre sob os olhos de um patrão
Um coronel que dizia orgulhoso
Trazer o povo na palma da mão
Vou tentar a sorte grande em São Paulo
Um Sul só visto nas revistas e jornais
Vou tentar ser gente na cidade grande
Que essa vida de sertão não quero mais
Ver meu povo escravizado e humilhado
Isso machuca irmão por dentro dói demais
Eu vou me embora mas um dia eu volto
Pra ajudar toda essa gente sem pão
Gente boa que perdeu a sua roça
Mas a sua esperança não perdeu
Irmão é duro andar no meu sertão
E ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu
Sentimentos Modernos
Amor, vamos ficar nus (?)!
Mas não à maneira dos caetés
Não à maneira dos caiapós
Melhor seria dizer pelados
Vamos comer um ao outro
Mas não como os caraíbas
Não como comeram o Frei Sardinha
Se é que você me entende
Vamos tirar o sapato, a meia, o sobretudo, o paletó, a gravata, a camisa, o cinto, a calça e a cueca
Vamos jogar pela janela o salto alto, a meia-calça, o casaco, o vestido, a calcinha e o sutiã
E nos engalfinhar como bichos
Porque se o tesão agüentar eu sei que vou te amar a vida inteira
Serás a senhora de engenho e eu o teu negro nativo
Agirás como a exploradora e eu como índio nativo
Me beija como a Iracema da literatura
Traz curare nestes lábios de mel e candura
Amor, dize-me loucuras para as quais não há curas
Me escraviza, me enfeitiça, me explora com vileza
Age como agiram os reis da Coroa Portuguesa
Me deixa em estado de miséria absoluta
Só tu me fazes ficar neste estado
Cheirar o pó dos livros da estante
Só tu me fazes viajar no tempo
E esquecer quem, quando e onde estou
No nosso gozo molhado, haverá risos e pecados
Pois nossos gritos homéricos permanecerão herméticos
Aos que remem índios, bêbados, loucos e pelados
No nosso gozo molhado haverá lágrimas e sangue
Pois romperemos o lacre sagrado que nos separa do futuro
Romperemos com a sanidade, romperemos com toda verdade
E encontraremos, atrás das idéias e das palavras, nós mesmos e a [liberdade.
Tudo que tenho guardado
é como tralha que não se joga fora
é como poeira acumulando pelos cantos
é coisa velha que ao passar do tempo
ao invés de valiosa torna-se apenas mais velha
Esqueci-me da faxina por preguiça
me ausentei por demais de mim mesmo
Dos diamantes que possuía,
há os que o pó maculou
e ainda os que na bagunça se perderam
É hora de pôr a casa em ordem
Mesmo temendo encontrar
por debaixo de tudo
algumas quimeras
Vou procurar por meus cacos
retomar posse de minha casa
Passa o tempo
Matriz dos fatos
Minha consciência nada alcança
Sofro e sorrio
Confuso indago
Hei de encontrar-me na inconstância ?
Minha consciência
Desnuda-se em atos
Vejo repetir-se minha infância
Sorrimos ou sofremos ?
Não somos exatos
Herdamos o que temos em criança
Passa o tempo
Matriz dos fatos
Minha consciência nada alcança
Destruidor de Ídolos
Imitação barata de estátua grega
Onde se vê mármore veja-se
Gípsea substância
O vidro em lugar do brilhante
Não tem o mesmo efeito
Que o do puro diamante
Bem construído a olhos míopes
Mas frágil e feio diante da lupa
Ver o povo ajoelhar-se diante do ídolo?
E adorá-lo como obra máxima de beleza?
Ao levantar o martelo sou um bárbaro
E como bárbaro sempre hei de ser tratado
Custa-me acreditar que a vida mereça
Tais ofensas em nome do medo
A mão do homem não constrói o ídolo
A mão do medo o constrói
E a mão do homem deva destruí-lo
Embora impedido, mãos atadas e desarmadas,
Não me rendo, não me calo, blasfemo.
Hão de me pôr sobre a cruz, matar meu corpo.
A chuva vai desfazer o nosso erro.
E, quando o ídolo derreter, se um outro for erguido
Eu virei, com o vento, destruí-lo novamente.
Alguns Poemas Num Poema ao Lutador
(a Carlos Drummond de Andrade)
Cansado de esperar respostas
Dou as costas aos lamentos
Desse povo banguela e sem pensamentos
Que vive de lembranças e reclamações
E que sentado espera, sem pressa alguma
O futuro dobrar à esquina em sua direção
Como conviver com um povo que se condena
A escravidão do crime e a exploração?
O jeito é juntar meus cacos e partir
Pois não é mais tempo de homens partidos
É tempo sim de homens que partem
Com os corações e os espíritos em pedaços
Desiludido mas não desanimado
Esperava ter dinamitado mais do que a ilha de Manhattan
E embora não tenha conseguido nem ao menos
Rachar este enorme muro que separa o olhar nos olhos de toda humanidade
Insisto em erguer meu martelo e filosofar
À beira dos mais altos precipícios
Ah! Mundo velho e sem princípios
A alma dos poetas nunca curvará ante de ti
Porque nós, herdeiros da força da brisa e do vento,
Prometemos erguer contra ti nossos punhos
E destruir-te como se fôssemos tanques,
Ou bombas, ou raios, ou jatos,
Ou pássaros
Poética
(a Chacal)
“─A palavra é a espada”
Diz a voz do trigo
Àquele que lavra a terra
Desconhecida da alma
Mas o destemido lavra-
dor dos mistérios dos sonhos
Lança um olhar a plantação
E diz, apontando a imensidão:
“─ O silêncio é a espada”
E o trigo confuso calava
Deixando no ar o ritmo
Do vento e da foice daquele
Que incansável lavra a terra
Dos sentimentos interiores e
Da alma do mundo : o poeta.
Não mais a pá lavra o solo
O poema brota mudo e perfeito
No pedaço de terra menos esperado
E, diante de tão belos frutos,
Todas as vozes se calam
Tentando entender o novo verso.
Só se ouve a voz do trigo a repetir:
“─ Isso é poesia. Isso é poesia.”