05 junho 2011

Meus Poemas

O Herói



Esperava que o verbo o assaltasse

Mas se encontrava distraído sempre

A ponto de cruzar precipícios sem cuidado



Foi então que a queda o deixou mudo

E ao chocar-se com o tapete de veludo

Percebera que o verso o esnobava



Travestido então de falsa poesia

Decidiu emendar versos alheios

E os mandou todos à gazeta noutro dia



Aplaudido de pé na academia

Fez questão de fundar a própria escola

Seguiram-no alguns poucos trovadores



Em seu discurso traçou mil teorias

Mas depois de esvaziar as fantasias

Mudou a face para o tom vermelho



E salpicou de merda todo o júri

Palavreava qual sirene louca

E ninguém entendeu o que dizia:



“Eu sou um louco que batera co’a cabeça

Nenhuma linha do que escrevo há que mereça

Ser considerada como obra de poesia”



E o júri, pensando no teatro que se armava,

Inteligentemente arrependido,

Mesmo cagado até o pescoço o aplaudia.









Encruzilhada



Agora mesmo eu me encontro

em algum lugar deste mundo

na forma de um poço d’água

nem raso ou mesmo profundo



Agora mesmo eu me encontro

em mim mesmo em mim no fundo

com o que há no fundo do poço

além da água : lodo imundo



E me entrecruzo de sobreaviso

enquanto meu rosto diviso

voltando a superfície intacto

para vê-lo na face perdida



Inicio então nova partida

em direção oposta a da saída

eu me encontro agora eu mesmo

reencarnado encruzilhada



Percorrendo-me absurdo

e sem mapa me perdendo

eu me encontro de novo no mundo

numa esquina num poço d’água



No que escorre de meus olhos

Decifro-me caos e mágoa

Reflexo de homem chorando

num poço de encruzilhada



E volto a mim me encontrando

Enigma mal formulado

Reflexo de homem chorando

perdido na beira da estrada.













Curiosamente



De repente te percebes em meio à chuva

Com lágrimas nos olhos

Confuso

A observar nos outros os sorrisos que agora

Recusam veementes visitar-te



Te percebes assim

de repente

E estupefato

ao mesmo tempo atordoado

Fazes um poema

E isto não te basta



Isto curiosamente não te basta

mas não te desesperas



Curiosamente não te desesperas

e começas a pensar

na absurda hipótese de teres desvanecido

evaporado

morrido

de repente

bem no fundo



Mas curiosamente ainda caminhas






Poética



Poesia

sobre

vida

sobre

poesia :

sobrevida



Vida

sobre

poesia

sobre

poesia:

sobrevida



Vida

sobre

vida

até que sobre

poesia

sobre

vida

sobre

poesia



Poesia

até que sobreviva

sobre

vida

poesia

viva



Vida

até que sobre

viva

poesia

sobre

vida



até que sobre

poesia

vida



sobre

viva

vida

poesia









Melancólico



I



Queria sentar e escrever um poema

Enquanto me alieno lentamente de tudo



O mundo já não cabe em meus conceitos

E, há muito, eu já não caibo em mim mesmo



Tenho um amor e uma pergunta a cada fato

E a ilusão de não ser apenas mais um nesse barco



Talvez meus versos valham menos que meus sonhos

Talvez meus livros morram mudos nas gavetas



Sou apenas um pretenso poeta incompleto incompreendido

Esse amontoado de genes que entra facilmente em depressão



II



Quando eu andava só pelas ruas escuras

Não conhecia o medo

Pois estava só



Não me afligiu nunca

A falta de um amigo

E a falta de um amor

Os olhos já se acostumaram



Eu bem poderia chorar

Soubesse um porquê ao menos



Eu bem poderia sumir

Não houvesse tantos desejos



Há um grito preso na garganta

Desabafá-lo não faz mais sentido



Esgotadas as possibilidades de tentar o suicídio

A única alternativa

É sentar, escrever um poema



E dar uma boa gargalhada









Poética



Bocas palavreiam palavras e palavrões

Lábios línguas e dentes articulam

Palavreados e palavradas sem razão de ser



Isolado o poeta contempla extático o silêncio

O baile das letras sobre o papel

E enquanto tagarelam perdidas as bocas

O poeta apenas assovia







Política Literária

(a Carlos Drummond de Andrade)



Enquanto discutem sem chegar a uma conclusão,

os poetas, filósofo e místico, observam

O poeta puro e simples

tirar poesia do nariz.



E o leigo, diante de tantas idéias,

Não entende uma palavra do que cada um lhe diz

Mas, mesmo assim, aplaude sem parar.







Consumo Imediato



Este poeta nasceu na era de consumo imediato

E este poema não poderia discutir este fato

Por isso, este é um poema de consumo imediato



Consuma-o então, amigo leitor, antes que ele saia de moda

E se você acha que o poema não tem nada a ver

Eu não ligo faço outro que lhe agrade, que venda meus livros



Afinal de contas, tudo está à venda, até o sonho dos poetas

Tudo depende da moda e da necessidade do mercado

E, se você não concorda ...

Isto é apenas um poema de consumo imediato









Costal



Implodiram meus castelos

mar e vento

de repente



Desconstruíram-se no estalo

ao fim de tarde

os elementos



Vejo caírem

da janela

noite, fogo, estrela e alma



A noite caindo

a estrela apagando

o cigarro na boca

um sorriso no chão



A mesma lua

o mesmo sol

o mesmo movimento

descendente



As coisas se movem

e me arrastam consigo

Por vezes me repelem

mas ainda as sigo



Intercepto-me deserto :

sedimentos, sal e sede

Um grito rolando calado

salgado por sobre a face



As coisas se movem

desarmônicas, abstratas

por vezes me levam consigo

palpáveis, ainda inexatas



Sorvo o grito

e o espírito não se farta

destruo agora eu mesmo

meus castelos sem bandeiras



Prostro-me de joelhos

sobre os escombros de meus sonhos

É tudo onda e pó

mar e chão

sonhos e sedimentos



o estalo ao fim da tarde

demoliu os elementos

as coisas se moviam sobre as águas

com o vento e a maré

com a lua e com o fogo



Desconstruindo-se levianamente






Lembrete



Os homens esquecem o guarda-chuva

Os homens esquecem os documentos

Os homens esquecem os sentimentos

Os homens esquecem o esquecimento



Os homens esquecem a vida

Os homens esquecem o viver

Os homens esquecem que vivem

Os homens esquecem ...



Os homens esquecem os amores

Os homens esquecem o amor

Os homens esquecem o amar

Os homens esquecem que amam



Os homens esquecem os nomes

Os homens esquecem os homens

Os homens se esquecem homens

Os homens esquecem que homens

esquecem



Os homens esquecem

Simplesmente esquecem

Os homens esquecem tudo

Por razões há muito esquecidas.






Metempsycose


I

Vejo o mundo e o ponho em minha cela



Vim a este mundo com um propósito, esquecido

Do ser que outrora fui. Mas este outro eu veio comigo

E diz-me, invisível, o que fazer ao meu ouvido,

Enquanto vago obtuso no mundo ao redor do umbigo.



Quem sou se fui um outro que não sei? Estou perdido

Em meio às palavras do mundo vasto e conhecido ¾

Que verbo deu sentido ao que atesto realidade? ¾

E a busca de um sentido faz do mundo fatalidade.



O que percebo faz sentido e dou a tudo

Os grilhões que me atrelam a esse mundo

Ao invés de dar, às cousas, liberdade.



Na minha eterna busca por verdade

Há, com certeza, um propósito mais fundo

Onde até o ser que fui queda-se mudo



II

Há muitos caminhos na estrada e os percebo



E, como se fôra um viajante em caminhada,

Que há muito tempo trilha o seu caminho,

Eu questiono a existência anterior à estrada

Memória e consciência deixam-me sozinho



Quem sou? Pra onde vou? É esse o meu destino?

Nasci num mundo pronto. Sou homem. Fui menino.

Tenho nome, sinto fome. Penso, logo desisto.

Lanço meu olhar sobre tudo o que já foi visto



E me sinto forçado a andar pela vida.

Que longa estrada é essa a qual encaro

Sem origem ou destino, sem saída ou entrada?



“Não à razão na caminhada”, eu me preparo

Para trilhar na direção desconhecida

Onde memória e consciência valem nada.





Há os que se esgueiram

(a Caetano Veloso)



Há os que se esgueiram

que nos compram com olhares doces

e nos seduzem com palavras exatas

São como assassinos à noite na espreita

nos convidam a partilhar

mas escondem seu próprio tesouro

nos convidam a ceder

e desdenham do que temos



Há os que esgueiram

como assassinos à noite na espreita

pulando dos becos escuros

dos locais inseguros

das dúvidas

das promessas

sobre nossas cabeças desavisadas

eles seguram um punhal

nos fazem pedir por clemência

e nos dizem que o bem é cruel



Há os que se esgueiram

e sem fazer força nos roubam a alma

são demônios de fala macia

esperando ansiosos por sangue

como assassinos à noite na espreita

enxergam no fundo dos olhos

tudo de que precisamos



Há os que se esgueiram

e há os que andam tranqüilos à noite nas ruas















Crônica Suburbana



Há um estranho no meu jardim:

Um cadáver.

E em volta dele uma multidão

Tão curiosa quanto inconveniente.



“¾ Deve ser um marginal”

Diz uma mulher lhe apontando

“Quem sabe foi assaltado?!”

Defende minha vizinha



Mas o indigente permanece lá

Indiferente ao comentário de todos.



Não se preocupe, amigo defunto,

Dentro de algumas horas (eu acho)

A polícia virá lhe buscar.

Dar-lhe-ão um nome, um número e uma cova

E, se acharem sua família (quem sabe?),

Um enterro cristão decente.



De certa forma eu o invejo, amigo desconhecido,

Você não precisa mais das futilidades dessa vida

É apenas você mesmo entre as flores de meu jardim

Sua história já não mais o preocupa.



Nós sim, coitados, ainda estamos presos

Aos preconceitos, às futilidades, às religiões

E às nossas limitações. Presos em nós mesmos.

Não importa como você morreu, onde você morreu

Quem lhe matou, quem você era.

Você já era.

Você tem, sabendo ou não,

A liberdade absoluta de não ser (ou ser)



E nós, na nossa mórbida inveja,

Ainda tentamos fazê-lo trocar a vida das flores

Pela soturna e triste escuridão da terra.

Mas eu sei, amigo, que pouco importa

Você está morto. Você não se importa.

E vejo sorrindo nos seus olhos imóveis que



Ainda temos de zelar pela nossa história.





Aula de Cálculo



Enquanto tentam explicar com a dialética

De matemáticos

Os físicos contemplam com olhar extático

A lógica e a ciência de um gramático

que com viola e rima se torna filósofo



E parece desvendar com seu olhar hipnótico

Um universo mágico

que cala o cético e o cínico

E traz à tona toda mística estética

dos vocábulos

Proparoxítonos



Descoberta do beijo



I



O olhar nos olhos antes do ósculo

E a troca de confissões antes do mesmo

Ocultam ou revelam intenções

Que auscultando o peito não percebo



E enquanto inutilmente persigo razão no fato

O amor me faz de gato e sapato

E a verdadeira intenção do beijo permanece sibilina



II



Há tanto amor sem beijos

E tantos beijos sem amor

Que eu não sei onde está o amor

No beijo de meu amor



Eu acho menina que só sendo louco

Pra filosofar com tanto desejo





















Bonitinho, Bonitinho!



Eu lhe vi, menina triste,

A esperar o príncipe encantado

Sentada na escada pro céu



E a mim, pobre bobo da corte,

Sua tristeza doeu tão no fundo

Que minha alegria também morreu



Comecei a desejar então, menina triste,

Que o seu príncipe, que não existe,

Fosse não encantado, mas eu



Eu, pobre bobo sem sorte,

Bobo da corte, bobo apaixonado

Desejava ser príncipe encantado



Só pra não lhe ver, menina triste,

Derrubar uma lágrima mais

Eu lhe amo demais, menina triste,



Mas sou apenas um bobo da corte.



Oração da Fuga


“Esperamos que a chuva não caia

E venha molhar nossos pés

molhar nossos rostos cansados

Já banhados de suor

E facilite a nossa fuga.



“Ainda bem que o Deus das raças

Por todos demonstra o amor

Ajude-nos Deus das Raças

Faça cessar nossa dor

Abençoa todo o meu povo

Toda essa gente de cor



“Dê-nos força

Dê-nos coragem

O sentimento voragem

Pela tal felicidade.

Dê-nos luz

Dê-nos fé

Dê-nos logo a liberdade.”













Meus olhos ardem o sol se pôs cinzento

Você me invade e eu me entrego a meu cansaço

Mais de uma vez eu fui traído e embora forte

Não abro mão de recorrer ao seu regaço

Já pensei um mundo bom e tive fé

Já quis minha vida repartida entre os amigos

Mas eu criei um coração feito de aço

E tenho lágrimas que se esquecem de rolar

Não quero nada a não ser o seu abraço

Transformar meu coração de aço em brisa

E não tentar mudar meu mundo por enquanto

Não quero mais que descansar no seu regaço

Até que o sol traga a manhã cinza ou vermelha

E eu de novo passe então da brisa ao aço









I



Aprendi a querer muito mas esqueci que sou um só

Pra espantar a solidão vou comprando meus amigos

Eu preferia ter coragem pra mostrar tudo que sinto

Ao invés de ter no rosto um automático sorriso

A manhã nasce vermelha e estou cercado de pecados

lhe procuro e me confesso mas estou sempre mentindo

Eu me escondo sei que o mundo é maior que o meu umbigo

Ainda tenho a infantil pretensão de ser mais santo

Ao mesmo tempo em que procuro a malícia que me falta

Negando sempre em vão chorando a maldade em que me afogo





II



Posso ver muitos dos meus erros

Sei o que sou mas não me conheço

Desconheço quem sou e meus limites

Penso no boi e me reconheço

forte e mesmo assim sempre cercado

Eu pareço o boi aprisionado

Forma forte inútil resignada

que não é nada senão touro castrado

Eu posso ver muitos dos meus erros

tornei-me esboço de um poder que já não tenho

Sei o que sou mas quem sou eu desconheço

E na figura do boi me reconheço

Forma forte passiva e enclausurada

Eu não sei quem sou e lhe confesso

Sei apenas o que sou e não sei nada.







Param e me perguntam

“Como vai essa força?”

E eu respondo automático o que querem ouvir

mesmo sentindo que essa “força” não vai

mesmo sabendo que essa “força” não vem

mais me socorrer

ou erguer o peso sobre meus ombros



Param-me e perguntam

“Como vai essa força?”

E, por fora, sorrio quando,

por dentro, indago:

“Há real necessidade em sermos fortes?”





Essa força minha não vai me ajudar

a vencer

a correnteza

e eu devo aprender a boiar sobre os fatos

como um corpo morto, resignado

que entra no ritmo das ondas que o arrastam

sem opção



“Como vai essa força?”

Paro e pergunto a mim mesmo

Surpreso, não me respondo,

temendo talvez constatar que ela não vai mesmo

E eu vou

a esmo

flutuando num calmo desespero em direção alguma

ou desconhecida

a que me levarem



Não é lágrima que escorre de meus olhos

apenas chove





























Do Espírito



Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.

Caminha o homem, sem saber o seu destino,
Em direção à glória ou à perversidade?
Somos homens conscientes, com memória,
Ou somos tolos que, agindo qual meninos,
Reinventam todo tempo a mesma história?

Avança a ciência. Avança o homem?
Em verdade, se acentuam diferenças.
Se existe um outro mundo após a morte,
Assim como o afirmam muitas crenças,
Morrer é, para o homem, pura sorte.

Sofrer e estar no mundo já se rimam.
Bom senso e humanidade são loucura.
O que é ciência hoje é criação tardia
Daquilo que o passado achou loucura.
A morte é, com certeza, uma alforria.

A alma, esta que sofre co'as desgraças,
Quando se percebe parte de um aboio,
Revoltada com os céus prefere o nada.
A razão é rota mal-iluminada
E os sentidos não mais servem como apoio.

E, sem anjos, orixás ou bruxarias,
pajelanças, orações ou patuás
Restam somente vozes de mil teorias
Que não dão conta do que é estar no mundo
E classificam : coisas "boas", coisas "más".

Triste, o espírito que não se farta
na ilusão espúria da existência,
Vai procurar na arte algo que faça,
Entre este plano, pleno em desgraças,
Um mundo outro, pleno em consciência.













Oração





Ó musa, rogo a ti que me entregue
O segredo do que há belo na palavra.
Desperta, musa, o que no peito lavra
O coração do vate que, sozinho,
Não procura seu destino qual caminho.

O que faz este guerreiro da palavra
Que trava sua luta com o destino,
Empinando as bandeiras como pipas,
Tal qual nas brincadeiras de menino?
Ó musa, rogo a ti que me ilumine

Pois o mundo possui sombras poderosas.
O que fazer de mim, ser inconstante,
Que vaga entre as linhas tortuosas
Do destino de quem vive à própria sorte?
Ó musa, peço que me adie a morte,

Pois meu mundo é meu ser e me fascina.
Transmite o belo dos dias mais risonhos
E a harmonia que há nos meus ouvidos
A toda completude dos meus sonhos
Pra que meus versos falem mais que meus sentidos.

Musa, eu quero a sabedoria.
Liberdade, peço a ti que me sorria,
Pois meu peito é peça rara e confusa.
Abençoa a minha alma e inebria
Minha existência mágica e obtusa.









Um Anjo

Como se, de repente, um anjo aparecesse
você abriu a porta
E invadiu meu mundo de sonhos
onde, misteriosamente, já residias
como um segredo.

Contei a você meus medos, receando...
... e os vi partirem no seu sorriso.
Ouvi seu estar no mundo, seu confessar
e seu medo me mostrou o que eram asas.

Só lembro de ter lhe dado o que sempre quis lhe dar
Você tornou meu dia leve e me deu vários motivos.
eu, ainda envergonhado, só me lembro do que não dei.
Porque há tanto para dar... há tanto pra dar que eu não sei.

Queria dar a você meus olhos para lhe mostrar
O que é a sensação de ver um anjo aparecer
entrando na sua casa, fazendo você crescer

Queria dar a você meus olhos para tentar ver
ver o mundo do alto
talvez
nem o mundo ver

ver um anjo
num poema
lhe abraçar









I


O amanhã do mundo me persegue.
Busco refúgio em vãs tentativas.
Sou sólido e reconheço os limites dos sonhos.

Nego, de forma recorrente, o vazio do Céu do Novo Mundo.
Há um Deus que olha por mim, escondido nas trevas dos átomos.

O amanhã do mundo nunca chega.
Madrugadas perdidas, com medo do sono e de perder
esse lindo mo(vi)mento de (mu)dança.

Hoje, os males da Caixa de Pandora ainda assolam o globo.
Homens tramam, em segredo, o seqüestro de toda esperança.
E o amanhã do mundo é só promessa.

E, eu, tendo desistido da arrogância,
Abraçado aos exemplos de místicos ascetas,
Procuro em meio às palavras o silêncio.

E, exausto, durmo tranqüilo o hoje dos poetas
Para acordar no amanhã dos homens
E fazer a minha parte no amanhã do mundo.

Um amanhã que nunca chegará pra mim
Mas está comigo em sonhos de paz e de guerra
E a toda manhã me persegue.



Canção de um Cangaço Triste



Irmão é duro andar no meu sertão

E ver as terras pra lá do horizonte

Ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu

Se terras férteis existem aos montes

Eu juro se eu pudesse eu não iria

Mas dos amigos quem ficou morreu

Já perdi primos tios irmãos família

E como eu muita gente perdeu

Terras minhas ? Estas nunca tive

Estive sempre sob os olhos de um patrão

Um coronel que dizia orgulhoso

Trazer o povo na palma da mão



Vou tentar a sorte grande em São Paulo

Um Sul só visto nas revistas e jornais

Vou tentar ser gente na cidade grande

Que essa vida de sertão não quero mais

Ver meu povo escravizado e humilhado

Isso machuca irmão por dentro dói demais



Eu vou me embora mas um dia eu volto

Pra ajudar toda essa gente sem pão

Gente boa que perdeu a sua roça

Mas a sua esperança não perdeu



Irmão é duro andar no meu sertão

E ouvir dizerem que o sertão ñ’é meu





Sentimentos Modernos



Amor, vamos ficar nus (?)!

Mas não à maneira dos caetés

Não à maneira dos caiapós

Melhor seria dizer pelados



Vamos comer um ao outro

Mas não como os caraíbas

Não como comeram o Frei Sardinha

Se é que você me entende



Vamos tirar o sapato, a meia, o sobretudo, o paletó, a gravata, a camisa, o cinto, a calça e a cueca

Vamos jogar pela janela o salto alto, a meia-calça, o casaco, o vestido, a calcinha e o sutiã

E nos engalfinhar como bichos

Porque se o tesão agüentar eu sei que vou te amar a vida inteira



Serás a senhora de engenho e eu o teu negro nativo

Agirás como a exploradora e eu como índio nativo

Me beija como a Iracema da literatura

Traz curare nestes lábios de mel e candura



Amor, dize-me loucuras para as quais não há curas

Me escraviza, me enfeitiça, me explora com vileza

Age como agiram os reis da Coroa Portuguesa

Me deixa em estado de miséria absoluta



Só tu me fazes ficar neste estado

Cheirar o pó dos livros da estante

Só tu me fazes viajar no tempo

E esquecer quem, quando e onde estou



No nosso gozo molhado, haverá risos e pecados

Pois nossos gritos homéricos permanecerão herméticos

Aos que remem índios, bêbados, loucos e pelados



No nosso gozo molhado haverá lágrimas e sangue

Pois romperemos o lacre sagrado que nos separa do futuro

Romperemos com a sanidade, romperemos com toda verdade



E encontraremos, atrás das idéias e das palavras, nós mesmos e a [liberdade.















Tudo que tenho guardado

é como tralha que não se joga fora

é como poeira acumulando pelos cantos

é coisa velha que ao passar do tempo

ao invés de valiosa torna-se apenas mais velha



Esqueci-me da faxina por preguiça

me ausentei por demais de mim mesmo



Dos diamantes que possuía,

há os que o pó maculou

e ainda os que na bagunça se perderam



É hora de pôr a casa em ordem

Mesmo temendo encontrar

por debaixo de tudo

algumas quimeras



Vou procurar por meus cacos

retomar posse de minha casa





Passa o tempo

Matriz dos fatos

Minha consciência nada alcança



Sofro e sorrio

Confuso indago

Hei de encontrar-me na inconstância ?



Minha consciência

Desnuda-se em atos

Vejo repetir-se minha infância



Sorrimos ou sofremos ?

Não somos exatos

Herdamos o que temos em criança



Passa o tempo

Matriz dos fatos

Minha consciência nada alcança





Destruidor de Ídolos



Imitação barata de estátua grega

Onde se vê mármore veja-se

Gípsea substância

O vidro em lugar do brilhante

Não tem o mesmo efeito

Que o do puro diamante

Bem construído a olhos míopes

Mas frágil e feio diante da lupa



Ver o povo ajoelhar-se diante do ídolo?

E adorá-lo como obra máxima de beleza?



Ao levantar o martelo sou um bárbaro

E como bárbaro sempre hei de ser tratado

Custa-me acreditar que a vida mereça

Tais ofensas em nome do medo



A mão do homem não constrói o ídolo

A mão do medo o constrói

E a mão do homem deva destruí-lo



Embora impedido, mãos atadas e desarmadas,

Não me rendo, não me calo, blasfemo.

Hão de me pôr sobre a cruz, matar meu corpo.

A chuva vai desfazer o nosso erro.



E, quando o ídolo derreter, se um outro for erguido

Eu virei, com o vento, destruí-lo novamente.





Alguns Poemas Num Poema ao Lutador

(a Carlos Drummond de Andrade)



Cansado de esperar respostas

Dou as costas aos lamentos

Desse povo banguela e sem pensamentos

Que vive de lembranças e reclamações

E que sentado espera, sem pressa alguma

O futuro dobrar à esquina em sua direção



Como conviver com um povo que se condena

A escravidão do crime e a exploração?

O jeito é juntar meus cacos e partir

Pois não é mais tempo de homens partidos

É tempo sim de homens que partem

Com os corações e os espíritos em pedaços



Desiludido mas não desanimado

Esperava ter dinamitado mais do que a ilha de Manhattan

E embora não tenha conseguido nem ao menos

Rachar este enorme muro que separa o olhar nos olhos de toda humanidade

Insisto em erguer meu martelo e filosofar

À beira dos mais altos precipícios



Ah! Mundo velho e sem princípios

A alma dos poetas nunca curvará ante de ti

Porque nós, herdeiros da força da brisa e do vento,

Prometemos erguer contra ti nossos punhos

E destruir-te como se fôssemos tanques,

Ou bombas, ou raios, ou jatos,

Ou pássaros

















Poética

(a Chacal)



“─A palavra é a espada”

Diz a voz do trigo

Àquele que lavra a terra

Desconhecida da alma



Mas o destemido lavra-

dor dos mistérios dos sonhos

Lança um olhar a plantação

E diz, apontando a imensidão:

“─ O silêncio é a espada”



E o trigo confuso calava

Deixando no ar o ritmo

Do vento e da foice daquele

Que incansável lavra a terra

Dos sentimentos interiores e

Da alma do mundo : o poeta.



Não mais a pá lavra o solo

O poema brota mudo e perfeito

No pedaço de terra menos esperado

E, diante de tão belos frutos,

Todas as vozes se calam

Tentando entender o novo verso.

Só se ouve a voz do trigo a repetir:

“─ Isso é poesia. Isso é poesia.”

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