Capítulo Segundo:
Tristes Asas do Destino
Os portões do Elíseo ainda eram exatamente como Estrela da Manhã se lembrava. Fulgurantes e majestosos, em toda sua glória. Yeshua HaMashiach veio recebê-los:
Os portões do Elíseo ainda eram exatamente como Estrela da Manhã se lembrava. Fulgurantes e majestosos, em toda sua glória. Yeshua HaMashiach veio recebê-los:
- Rafael! Este é...
- Eu sei quem ele é, Yeshua. Nós temos uma audiência com o Pai.
- Mas... Isso é... Impossível
- Não comigo aqui. Eu vou levar Estrela da Manhã até o Pai, se você não tiver mais nada a nos dizer.
- Continua o mesmo, Yeshua... Contestador até das coisas que não lhe dizem respeito...
- Assim como você, Estrela da Manhã. Se bem me lembro, foi sobre isso que conversamos no deserto.
- Sim. Passei quarenta dias tentando convencê-lo de que a humanidade não valia à pena. E aqui estou eu, lutando por ela!
- Mas... Estrela da Manhã, eu nunca tive a chance de lhe dizer... Mas após a crucificação... Eu cheguei a pensar que você estivesse certo. Que a humanidade não vale à pena.
- Não era isso que eu estava tentando lhe dizer no deserto, Yeshua.
- Não? Você tentou me convencer a não morrer por eles!
- Eu tentei te convencer a não morrer. A natureza deles, o que eles iam fazer... Você descobriria mais cedo ou mais tarde. Mas, após quarenta dias no deserto, sem comida ou água, eu não estava lá para lhe oferecer os “reinos da Terra”. Eu queria lhe dar a Verdade. Sobre o Criador. Sobre você e sobre mim...
- E o que é a Verdade?
- Você decidiu morrer pela humanidade. Quis se tornar o mártir que libertaria a todos. A profecia encarnada. Mas o peso foi demais até para você. A Verdade não é a cruz, não é o sacrifício no Calvário ou sua “ressurreição”. Eu quis lhe falar sobre um Pai que pune seus filhos. Eu lhe mostrei o mundo. Lembra o que você me disse? “Siga-me...”
- “...e conhecerás a Verdade”. Eu sei o que disse, Estrela da Manhã. O que isso tem a ver com...
- Você me tentou, Yeshua. Ofereceu Amor e Redenção, mas eu sabia que isso não existia. Me ofereceu um lugar ao seu lado quando o mundo mudasse por seu sacrifício. Em milênios, Yeshua, você foi o primeiro que me fez respeitar a espécie humana. Mas, quando Pilatos te perguntou a Verdade, você não soube responder.
- Responda-me agora, Estrela da Manhã. O que é a Verdade?
- Você não precisava ter se sacrificado, Yeshua. Você conhecia rituais da cabala que os outros rabinos não o conheciam. Não foi Judas quem o traiu, mas os outros rabinos, com inveja de alguém que conhecia as escrituras melhor do que ele. Judas foi um fantoche. A Verdade morreu com você. A mensagem que você estava espalhando morreu.
- Não, ela não morreu! A humanidade ainda se lembra! As pessoas ainda...
- Se o que você diz é verdade, Yeshua, então por que eu voltei ao Elíseo? Rafael e Estrela da Manhã seguiram em frente, enquanto um aturdido Yeshua refletia sobre dois mil anos de mentiras e manipulações. Diante da sala do trono do Criador, estava Miguel.
- Alto! Rafael, o que pensa que está fazendo!?
- Tenho direito a uma audiência com meu Pai, meu irmão.
- Sim, mas essa víbora traiçoeira...
- Meça suas palavras, Miguel. Nosso irmão está em pleno gozo de seus direitos. Ele está comigo.
- Como quiser, Rafael. Como quiser...
- Ainda esperando o Armagedon, Miguel?
- Eu ainda não esqueci tuas afrontas, Estrela da Manhã.
- O momento está próximo, mas não nos encontraremos como inimigos. Naquele instante, Gabriel chegou.
- O que está acontecendo aqui?
- Vim usufruir de meus direitos, Gabriel.
- Que direitos? Você foi banido!
- Mas mesmo spawns foram conduzidos até aqui. Se não estou enganado, tua protegida Ângela, pessoalmente, trouxe um deles aqui...
- Não me provoque, Estrela da Manhã...
- Já chega! – interrompeu Rafael. – Abra a porta, Miguel. Nós vamos entrar!
- Nós também iremos – disse Gabriel.
- Como queiram... O arcanjo Miguel abriu a porta da sala do Trono de Deus. O que eles viram, mudaria o rumo da Criação para todo o sempre. Após séculos de reclusão, os Primordiais, os primeiros anjos de Deus, finalmente estavam em frente ao Pai. Gabriel começou a chorar. Rafael se escorou em uma parede, vomitando. Miguel gritava contra Estrela da Manhã, que estava em silêncio. Sentado no trono, havia apenas um esqueleto. Por isso Deus mantivera o silêncio por tanto tempo. O Criador estava morto. Nada mais restava dele.
- É culpa sua, desgraçado! É culpa sua! Você é incapaz de derramar uma lágrima, não é?
- Miguel...
- Como ousa colocar seus pés aqui novamente, seu verme?
- Miguel...
- Por que você voltou?
- Miguel... ele era meu pai também.
Lúcifer e Miguel se abraçaram e choraram juntos.
Horas mais tarde, os Primordiais estavam reunidos ao redor do trono.
- O que faremos? – perguntou Rafael.
- A tradição diz que o mais velho deve assumir o trono. – disse Rafael. – Com isso, Estrela da Manhã é a escolha natural para...
- Um momento! Não foi para isso que eu vim aqui! Eu quero deter Mefisto, Neron, Malebólgia e Hela e ir embora! Eu queria minha antiga posição de volta, mas não dessa maneira!
- Se não cumprirmos a tradição, tudo estará consumado, meu irmão. O trono é seu. Você aceita? - Mas eu...
- Admita, Lúcifer... Você sempre quis isso... – cutucou Miguel.
- Eu queria que as coisas fossem diferentes, mas jamais conspirei contra o Pai. Eu não posso fazer isso.
- O que o impede? O orgulho?
- Estrela da Manhã está certo. Sua crueldade fatalmente destruiria a Criação.
- A menos que... - “A menos que” o quê, Gabriel?
- A menos que Rafael fique ao lado dele, como conselheiro.
- Eu? Conselheiro de Estrela da Manhã?
- Sim, por que não? Não foi você o responsável pelo retorno dele ao Elíseo? O que você tem a dizer, Estrela da Manhã?
- Há coisas grandes em andamento. Não posso assumir de onde o Pai parou. Se eu ficar no Elíseo, outras entidades se voltarão contra nós. Velhos inimigos. Vão achar que, com a morte do Pai, nós estamos enfraquecidos.
- Eles respeitam você, Estrela da Manhã. Mais do que jamais respeitaram ao Pai.
- Bobagem. Eles me temiam porque eu sempre interferi em seus negócios. Até Odin me deve favores.
- Sim. Essa é a diferença – disse Miguel. – Você sempre se envolveu em negócios alheios. O Pai, não. Eles não vão se meter com você, agora que o trono é seu.
- É a isso que tudo se resume? Eu assumo o trono por questões políticas? Apenas por que outras entidades terão medo de mim?
- Não, Estrela da Manhã. O medo nada significa. Mas porque você conhece cada detalhe de tudo que se move sob o Céu. Rafael, Gabriel e eu não sabemos nada mais do que ficar aqui. Jamais estivemos em Valhalla ou no Inferno ou no Olimpo. Você é o diplomata que pode conter essa guerra e impor respeito sobre os outros.
- Ele tem razão, Estrela da Manhã – disse Gabriel.
- Deixem Rafael e eu a sós – falou o Caído. – Eu preciso decidir.
Gabriel e Miguel saíram da sala do trono, onde o esqueleto de Deus jazia, envolto em um lençol.
- O que faremos, Estrela da Manhã?
- Aceitaremos. Não temos muita escolha.
- Como não?
- O Criador está morto, Rafael. Isso não soa muito suspeito para você? Ele sempre nos mandou fazer seus serviços. Sodoma e Gomorra, a virgem de Nazaré, e tudo que escondemos sob as águas do Mar Morto. E agora isso. Ele sabia que o dia do juízo estava próximo e nos deixou aqui, no controle.
- Você acha que ele não está morto realmente?
O que eu acho, eu pretendo descobrir, mas não hoje. Primeiro, precisamos nos preparar...
- É tudo um jogo para você, não é? Você finalmente está no poder, o Pai está morto e temos que nos submeter às suas vontades!
- Rafael... Lembra do que eu lhe disse, quando o Criador me expulsou? Eu agradeci seu afeto e disse: “Um pai não pode punir o filho para sempre. Tampouco posso condena-lo por isso.” Rafael se calou. No fundo, sabia que não havia outra escolha mesmo. Gabriel e Miguel estavam certos. A Criação dependia de alguém no trono, alguém que traria equilíbrio aos vários ramos de poder criados abaixo. Um mediador para questões que envolvessem Vida, Morte e Castigo. Estrela da Manhã, certamente, faria disso um espetáculo de malícia. Mas com Rafael a seu lado, seus instintos cruéis poderiam ser domados. Havia uma chance de controlar o status quo novamente.
- O que você me diz, Rafael? Vamos condenar o mundo... ou salva-lo?
- Devemos assumir o poder para salva-lo?
- Isso é apenas um ângulo para essa questão. Não vamos assumir o poder, apenas organiza-lo entre os Primordiais.
- Onde está o Pai, Estrela da Manhã? Ele saberia o que fazer...
- Não, não saberia. Ele me expulsou, lembra?
- Pare de dizer isso!
- O que espera que eu diga? Que Ele estava certo? Eu só queria voltar pra casa, Rafael! Mas agora há uma guerra abaixo de nós e eu não tenho tempo para seus lamentos!
- Está bem – disse um resignado Rafael. – Vai ser do seu jeito, ao menos por enquanto. Quando essa guerra acabar, conversaremos à respeito.
- Ótimo. Obrigado, meu irmão. E lembre-se que eu nunca quis o poder. Eu só quis consertar as coisas entre eu e Ele.
- Eu sei. Me desculpe, mas jamais vou me acostumar com isso. Os preparativos para o funeral começariam em instantes. O segredo seria guardado entre os Primordiais.
Epílogo:
Longe dali, nas savanas da África do Sul, um homem procurava uma sombra para observar as zebras que se alimentavam.
- Há lugares mais seguros ao sul, senhor. – disse um nativo.
- Está tudo bem, meu filho. Eu quero vê-las de perto.
- Elas são presa fácil para os leões aqui, e o senhor também.
- Não se preocupe. Eles não vão me incomodar.
- Não se preocupe. Eles não vão me incomodar.
- O senhor fala como se pudesse doma-los!
- Eu ensinei meus filhos a repartirem o poder. Posso ensinar os leões também.
- O senhor é algum tipo de político ou diplomata?
- Eu fui. Fui um líder. Mas antes disso, fui um pai que cometeu um erro e demorou muito tempo para descobrir como corrigi-lo. Hoje, finalmente, tudo está em seu devido lugar. Assim na Terra, como no Céu.
- Espero que os leões sejam compreensivos como o senhor! O senhor parece ser um pai amoroso e justo.
- Eu me esforço, meu filho. Eu me esforço.
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