29 junho 2014

Poética




(a Chacal)



“─A palavra é a espada”

Diz a voz do trigo

Àquele que lavra a terra

Desconhecida da alma



Mas o destemido lavra-

dor dos mistérios dos sonhos

Lança um olhar a plantação

E diz, apontando a imensidão:

“─ O silêncio é a espada”



O trigo, confuso, calava

Deixando no ar o ritmo

Do vento e da foice daquele

Que incansável lavra a terra

Dos sentimentos interiores e

Da alma do mundo : o poeta.



Não mais a pá lavra o solo

O poema brota mudo e perfeito

No pedaço de terra menos esperado


E, diante de tão belos frutos,

Todas as vozes se calam

Tentando entender o novo verso.


Até que se ouve a voz do trigo a repetir:

“─ Isso é poesia. Isso é poesia.”

25 junho 2014

Costa




Implodiram meus castelos
mar e vento
de repente

Desconstruíram-se no estalo
                                   ao fim de tarde
                                                    os elementos

Vejo caírem
                       da janela
                                      noite, fogo, estrela e alma

A noite caindo
                      a estrela apagando
                                       o cigarro na boca
                                                          um sorriso no chão

A mesma lua
                    o mesmo sol
                                     o mesmo movimento
                                                             descendente



As coisas se movem
e me arrastam consigo
Por vezes me repelem
mas ainda as sigo

Intercepto-me deserto :
sedimentos, sal e sede
Um grito rolando calado
salgado por sobre a face

As coisas se movem
desarmônicas, abstratas
por vezes me levam consigo
palpáveis, ainda inexatas

Sorvo o grito
e o espírito não se farta
destruo agora eu mesmo
meus castelos sem bandeiras

Prostro-me de joelhos
sobre os escombros de meus sonhos

                É tudo onda e pó
mar e chão
                       sonhos e sedimentos

                                 o estalo ao fim da tarde
demoliu os elementos

as coisas se moviam sobre as águas
                       com o vento e a maré
                                         com a lua e com o fogo

Desconstruindo-se levianamente

23 junho 2014



Ao chegar em casa à noite liguei a tevê em um desses shows de auditório mondo cane tentando me alienar.
Não dava. Era uma afronta muito grande ao intelecto.
Parti então para a rede.
Antes fosse a rede de verdade que Samael, em nosso encontro do ônibus, disse haver comprado.
Alienar-se, amigo, só na rede de intrigas sociais. Bobagem e fofoca. Curto e compartilho. Minha linda filha, meu prato predileto, minha nova namorada, meus poemas geniais, minhas frases de auto ajuda. Meu egoísmo e limitação, sem censura, vinte e quatro horas no ar.
Adoro paradoxos. Como um desfile tão grande de egos é tão divertido?
Antes isso do que crack.

Depois de horas algemado ao teclado, a vontade de beber uma cerveja me empurrou a rua. Ainda me considero 20% normal pelo menos.
No bar, mais um dos caídos que encontraria no dia.
Eros adorava andar com putas e as tratava como rainhas. No fim, ele acordava no canto da cama e com uma puta fria e interesseira, não importa a rainha que ele escolhesse.
Estava bebendo sua trigésima milionésima decepção há meses.
Disse-lhe que não via coragem nas relações devido a falta de companheirismo e intimidade. Que todos estão exercitando mais o ego do que a tolerância e a fuga do compromisso é a tônica de nossos dias.
Sem muito refletir ele me disse:

A intimidade não revela o quanto podemos ser tolerantes. A tolerância só mostra a sua face quando desaprendemos a observar o outro como extensão nossa.
Vejo-a surgir quando o outro passa de mão a apêndice inflamado.
Acaso não te sentes íntimo de teus orgãos e membros? Íntimo a ponto de saber o quanto eles doem e o quanto te fazem falta. Mas, na mesma medida em que acaba a paixão e o câncer da tolerância aparece, sabes que haverá o momento do corte. Chegará o momento em que o outro em ti não passará de um tumor a ser extirpado.
E se você mergulhar fundo como eu...
Perdi um dos olhos, um pulmão, as duas pernas e metade do braço... não me force mais a ser mais intimo de Ninguém.
Um dia irei amar alguém Que me ame como meu fígado o faz. Ele eu sei que me ama.

22 junho 2014

Metáfora





Não estamos sozinhos
Viemos do encontro
Vamos ao encontro
Sentimos o mundo através do tato

Sons, cores, sabores, olfato
Tua pele, tesão, medo, felicidade
Variações incríveis do mesmo fato:
Colidimos com o tecido da realidade

Mas não precisamos posição
Nem, com certeza, velocidade
Seguimos vivos, colidindo com tudo
Contato
            com tato 
                          contato

Intangíveis e sem esse contrato,
Sonhos, memória e saudade
Saltam do vácuo quântico
Sob a forma de um poema

Extraindo beleza do efêmero
Sem a matemática correta
Eu aprisiono o tempo
Com rede de caçar borboleta


18 junho 2014

Inglória



"Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.
Quantos, se pensam, não se reconhecem
Os que se conheceram!
A cada hora se muda não só a hora
Mas o que se crê nela, e a vida passa
Entre viver e ser."
Ricardo Reis


No final do dia
Estarás vivo
E poderás comemorar
tua despudorada covardia
Sem fogos de artifício

"Basta ser rebelde por dentro"
E, fingindo baixar os olhos,
Sobrevives
Dizendo sim
Balançando a cabeça para os lados

Não serás profeta
falso hipócrita
Não te alistarás em nenhum exército
Ou subirás em palanques
Por medo do erro

Permanecerás estátua
Enquanto jovens morrem em trincheiras
Queres ficar velho
E comemorar a falta de glória
Em estar vivo no final do dia

15 junho 2014

Boate Abatedouro



Tá faltando carne nova no mercado
A elite canibal vai passar fome
Armaram festa na boate Abatedouro
E na porta colocaram nosso nome

Corre agora em nossa veia aberta
Uma espécie de veneno corrosivo
Um antídoto-verme-antitelevisivo
Efeito: deixa a mente mais desperta

Morde, burguês, a carne envenenada
Prova o gosto do povo inconformado
E sente a dor da barriga constipada

Os convidados desta ceia tão funesta
Resolveram sabotar a sua festa
Seu apetite, elite, é sua derrocada

08 junho 2014

Meus olhos ardem



Meus olhos ardem o sol se pôs cinzento
Você me invade e eu me entrego a meu cansaço
Mais de uma vez eu fui traído e embora forte
Não abro mão de recorrer ao seu regaço
Já pensei um mundo bom e tive fé
Já quis minha vida repartida entre os amigos
Mas eu criei um coração feito de aço
E tenho lágrimas que se esquecem de rolar
Não quero nada a não ser o seu abraço
Transformar meu coração de aço em brisa
E não tentar mudar meu mundo por enquanto
Não quero mais que descansar no seu regaço
Até que o sol traga a manhã cinza ou vermelha
E eu de novo passe então da brisa ao aço

04 junho 2014

Por que escrevo?



Escrevo porque vale a pena
Fica a letra, ecoa a palavra
Ela é quem desperta a grande viagem
para encontrar a mim mesmo nos que se encontram no que escrevo
para encontrar os que vêem que estou perdido
para trocar missivas com os que possuem outros mapas e jogar mísseis nas fortalezas dos que"se acham"
para me perder num mundo imaginado
porque sinto vertigem
para sorver de novo a miragem
porque é barato
porque posso ser sincero e fingir confissões absurdas
porque tenho coragem de falar de meus medos
Escrevo porque não há palco melhor para a palavra que a mente
não sou ator, sou atormentado, tormenta de idéias
escrevo por necessidade, karma, estigma
para agradecer quem pôs um livro em minha mão, um poema em minha cabeça
escrevo para libertar as palavras do dicionário e fazê-las dançar
tirá-las do ostracismo
Vem palavra para o meu colo que livrar-te-ei na arte do meu livro
escrevo porque um texto é mais fácil que juntar gente num filme ou banda de rock
escrevo por motivos que se renovam
para encontrar-me renovado
ou apenas de novo
porque vejo que há necessidade em assumir um papel na sociedade como homem de letras
e eu ainda acho palavras mais sutis e eficientes que balas de fuzil, letras frias da lei ou bulas de remédio
escrevo porque quero respeito pela literatura
e que a literatura mostre a humanidade
mostre que somos iguais e estamos no mesmo barco
escrevo para chocar as carolas e os estelionatários
para tornar minha vida mais completa
E mais sublime o meu anonimato
Amigo, em resumo, eu lhe digo
escrevo pelo silêncio



01 junho 2014

Império Terrorista



O Império aperta o cerco
E tem como certa 
A idéia acerca de nós 

Cercear a voz
Nos roubar a paz
Nos vender a vez
Nos comprar a alma

Calma
Obedeça
Acene
E sorria

O império nos vigia
Tem certeza
Mora um terrorista em cada um de vós 
Em cada um de nós 
Mora uma voz

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